Renato Negrão
entrevista a iago passos / odisseia vácuo
Como surgiu o poema?
Havia feito uma oficina de escrita criativa com a poeta Angélica Freitas. Eu ministro oficinas de criação e gosto de experimentar processos e procedimentos de outros poetas. Angélica tem a disciplina de escrever todos os dias. Eu estava afastado da criação há algum tempo por excesso de trabalho. Tentei então uma disciplina diária, até que numa tarde o texto saiu. Experimentei processos de colagens de textos em que fiz alterações e me dediquei a trabalhar com os silêncios e as lacunas no branco da página como elemento de significação.
Como surgiu o projeto gráfico?
Tinha o desejo de trabalhar com alguém com quem nunca houvesse trabalhado antes. Tive conversas com o Bruno Azevedo, da Pitomba Livros e Discos, em São Luiz (MA). Mas tentei também repetir a parceria com Júlio Abreu, meu parceiro e amigo de muitos e que conhece a fundo meu trabalho, responsável pelo projeto gráfico do meu livro anterior, Vicente Viciado, que me deixou muito satisfeito. Terminei por me aproximar do Matheus, da Ed. 4:25, que além de ser um designer ousado e primoroso, também é ótimo escritor e sabe valorizar o texto. Ficamos entre seis a oito meses discutindo o projeto até chegar ao formato.
O texto da epígrafe me parece ser um aviso, qual pedido exorbitante é concedido ao leitor do seu livro?
Alberto Pimenta é um poeta irreverente, irônico, experimental, sensível e sarcástico. Não há garantia a ninguém que resolva se envolver intensamente em uma aventura artística, a ambiguidade do sucesso, do fracasso, da inocuidade. Talvez ao leitor eu tenha tentado fazê-lo experimentar, mesmo de maneira leve, um pouco dessa instabilidade. Nesse sentido, não só a epígrafe, mas também o projeto gráfico deixa experimentar essa sensação. Grosso modo, a epígrafe diz, à maneira dos livros de autoajuda algo como cuidado com o que você pede, você pode alcançar.
Em certos trechos, é mais claro o deboche a um certo progressismo canônico, da história de alguma ciência – impossível saber qual, pois há lacunas sempre que o texto ameaça trazer alguma especificação – as lacunas do texto poderíam ser preenchidas por nomes, ou melhor, substantivos. Reunindo essas impressões à “escultura gráfica” que é o livro – a dobra que contém o seu nome, e do outro lado o título do livro, junto ao corte circular na letra “O”, presente também na união da capa com a contracapa, sua circularidade, seu mistério em definir um começo e um fim – tudo isso me sugere uma leitura tentada a criar relações entre o objeto e o texto. Como você vê essa transa semiótica entre o objeto e a palavra?
Há, a um só tempo, uma homenagem a história dos artistas no tempo e um sarcasmo em relação ao cânone. Estudei em escolas cujos professores majoritariamente brancos; Na universidade, aprendemos história da arte europeia I II III e IV e história da arte brasileira e outras “desimportâncias”. Desenvolver um projeto gráfico que levasse em conta do efeito que uma história que nos foi interditada nos causa enquanto povo. Sensação de estar perdido e ao mesmo tempo a tentativa de reconectar o elo. A circularidade está presente na cosmovisão africana, os jogos infantis, as atividades religiosas de roda, a questão cíclica da vida, tudo isso tem raiz na África e nós a herdamos. Essa sacada do “O” foi ponto para o Matheus, que é um leitor refinado. Sendo ele preto como eu, deve ter sido obra então de alguma ancestralidade afeita a campos e espaços.
Se o texto por um lado exclui substantivos, ou dados mais específicos, as principais informações sobre o livro – que o especificam – são impressas de tal modo a serem dignas de um poema concreto. Fale mais sobre os paratextos – principalmente, o título e seu nome – e como eles se tornam parte do livro poema.
A epígrafe e seu autor, os dados da edição, que são as datas e a numeração acabam aparecendo como um índice enigmático. Não há título e não há os nomes das editoras 4:25 e Palavra Imagem e também meu nome não aparece na capa. Dentro do livro aparecem em contraposição dialógica renato/vácuo e negrão/odisseia. A partir do significado do meu nome e sobrenome, Renato = renascido e Negrão = breu, me permiti fabular as relações entre buraco negro e o vácuo quântico. A aventura ínfima das partículas e dos astros e a aventura do signo linguístico. Esses assuntos também interessaram aos poetas concretos, sobretudo Haroldo de Campos em suas Galáxias. Mas talvez tudo isso não tenha sido mais que um lance de dados.
Diferente de “Vicente viciado”, “Odisseia vácuo” é um projeto mais experimental, e com menos chaves de leitura. Você diria que são projetos totalmente diferentes, ou eles apresentam algo em comum?
Realmente há menos chaves de leitura, mas apresentam semelhanças de procedimentos. Nos dois livros utilizei recursos de apropriação. O humor é também uma característica que permeia meus livros. Das diferenças: Vicente é tem capa muito colorida, odisseia é cinza e preto. A capa do Vicente sugere ao leitor que se trata de um livro de prosa e quando o leitor abre percebe que é um livro de poemas. Já odisseia dá a ideia de que se trata de um livro de poemas e ao abrir o leitor se depara com um texto que a princípio parece ser prosa. Vicente Viciado foi realizado com uma tiragem bem significativa, 1500 exemplares em escala industrial, o Odisseia Vácuo é artesanal e tiragem pequena.
