Renato Negrão
Texto para a exposição Mostra de Garagem - Escola Livre de Artes, Arena da Cultura.
Atualizado: 17 de dez. de 2018
O ofício da arte é o território da inquietação e da sedução. Excita, desperta, estimula, provoca, fomenta, inflama; e cura, melhora, recupera, restabelece, restaura, reabilita. Pela arte, sabemos, muitas vidas foram alçadas do fundo do poço. Mas a entrega a este ofício pode também ser cruel, bárbara, impiedosa, inclemente, dura e bruta, abissal. A história da arte é rica em biografias de vidas miseráveis, indigentes. Vidas muito dignas na sua condição de miseráveis, importante dizer, afinal, o que é “dar certo”? Assim também é a cidade, território de inquietação, sedução e crueldade.
A cidade - na pegada do escritor Gonçalo Tavares – “resultado da medição das distâncias em relação ao perigo e ao amor, e da sua aplicação no espaço; a cidade, consequência da linguagem, e espaço privilegiado para essa mesma linguagem e inteligência se desenvolverem”. Ocorre que as cidades são, paradoxalmente, núcleo de violências e solidariedade.
Quem afinal são os humanos em situação degradante? Se há um consenso, é que estamos numa ruína, ou à beira dela, abissal. E os desvalidos, marginalizados, não a provocaram, são, ao contrário, sobreviventes, e têm a tecnologia da resistência.*
Os artistas presentes nesta mostra de garagem, por meio da visualidade, elaboram suas inquietações acerca da cidade, sua arquitetura física, social e política, construindo um imaginário e uma paisagem urbana enquanto constroem a si próprios num entrelaçamento mitológico, poéticas aderindo a pele da cidade.
Renato Negrão
*sob o impacto da fala da Mariana de Matos no Forum doc, em dezembro de 2018.